sexta-feira, 13 de abril de 2007

O Grito da UnB


Avolumam-se as estatísticas sobre a exclusão social no Brasil. É um fato triste e inegável, que nos posiciona mal no ranking das nações, especialmente, concentrado sobre os eixos de gênero e de cor ou raça. O Brasil não alcançará um futuro digno sem implementar um processo sério e efetivo de inclusão, se não por uma questão de justiça, pelo pavor das inevitáveis conseqüências de ignorar os fatos e de tentar abafar ou confundir o debate.

A Universidade de Brasília está fazendo o que lhe cabe. Em 2003, implantou o Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial, envolvendo cotas para estudantes negros e a matrícula de indígenas, entre outras medidas. Já tinha implantado programas para portadores de necessidades especiais, de acesso alternativo ao vestibular voltado para a escola pública e de permanência de estudantes de baixa renda, além de numerosos projetos de extensão universitária junto às populações excluídas da região e além. Agora se expande fisicamente pelas vizinhanças menos favorecidas para abraçar o Distrito Federal e seu Entorno. A política de inclusão da UnB é clara e conseqüente, e os resultados dessas iniciativas comprovam a sua adequação e sucesso.

O compromisso da UnB é com a democracia e os direitos humanos. Desde as suas origens, é identificada com a luta pelo convívio pacífico e solidário e o pleno gozo de direitos. As medidas citadas são conseqüência dessa posição e colaboram com o acesso dos historicamente excluídos à Universidade e, por conseguinte, ao conhecimento e aos espaços do poder.

A receptividade a essas medidas foi positiva no geral, mas a inclusão de negros na Universidade foi alvo de resistência. Só a de negros. A UnB, também por ter sido a primeira universidade federal a adotar o sistema de cotas, foi duramente atacada. Nem sempre se tratava de um debate sobre os meios mais adequados de inclusão social; houve ataques brutais direcionados aos sistemas de cotas para negros e às instituições e pessoas envolvidas.

Ora porque a democracia racial já seria um fato consumado, ora porque os negros, que são facilmente identificados para fins do censo ou da discriminação, não poderiam sê-lo para fins de programas de inclusão, ora porque a concentração massiva deles nas favelas e nas cadeias seria uma questão de renda e não de discriminação (“são negros por serem pobres”, é a inacreditável implicação).

Essas, e outras pérolas até mais criativas, vieram dos intelectuais da exclusão – ilustrados doutores, que, a mando dos seus patrões, agregam à sua lógica deturpada a distorção dos fatos, a desonestidade intelectual e a deslealdade acadêmica. Ombreiam-se com os cientistas de Hitler e demais promotores da exclusão sistemática no mundo. Ainda há quem publique o seu vitupério. O que buscam, na verdade, é a manutenção do status quo, que o privilégio da educação superior pública continue sendo passado de pai para filho sob o manto do “mérito”, alcançado apenas nas melhores e mais caras escolas e cursinhos.

O atentado a fogo contra a vida de 10 estudantes africanos da UnB no último dia 28, reacendeu os debates. Criminosos incendiaram as portas de três apartamentos do alojamento estudantil cujos moradores eram africanos negros. O que vemos em parte da mídia, é uma tentativa de afastar os termos “racismo” e “xenofobia” do caso, sem que as investigações tenham sido concluídas. Tratar-se-ia apenas de uma rixa entre vizinhos, como disse um dos convocados pela Polícia Federal.

Felizmente a reação de dezenas de entidades, instituições e autoridades entre as mais respeitadas do País e do mundo foi diferente. Reconheceram a seriedade do fato e do momento e manifestaram sua solidariedade às vítimas, bem como às medidas adotadas pela Universidade e pelas autoridades policiais. Essa atrocidade inconclusa e suas implicações são de uma gravidade que transcende o que as investigações vierem a estabelecer. É essencial punir exemplarmente os culpados, mas não é o suficiente. Este caso exige uma reflexão profunda sobre a garantia dos direitos humanos, à justiça social, a tolerância e a solidariedade que terão que prevalecer no mundo se nós queremos outro futuro que a conflagração. A começar pela Universidade.

A UnB se une aos que gritam (aí sim!) por justiça e por uma igualdade que saia do papel e passe a ser a realidade entre nós, com todas as nossas diferenças ‑ a riqueza maior desse País.

(*) Timothy Mulholland é reitor da Universidade de Brasília.

Fonte: Agência UnB

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