sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Arte e literatura para todos

Difundir a literatura latino-americana, encontrar novos autores e promover um trabalho social e artístico, além de ser ecologicamente correto. Essas são algumas das conquistas do coletivo brasileiro Dulcinéia Catadora. O grupo vende livros com textos de autores conhecidos e anônimos a R$ 5. As capas das publicações têm como matéria-prima papelão e são pintadas livremente por filhos de catadores de recicláveis, adultos com deficiência mental, artistas e outras pessoas da comunidade.

O coletivo Dulcinéia Catadora nasceu em 2006, derivado do grupo Eloísa Cartoneira, da Argentina. Sabendo da iniciativa por meio de um blog, a artista plástica brasileira Lúcia Rosa entrou em contato com os integrantes argentinos. “Eu já trabalhava com papelão e catadores. Participei de algumas oficinas com o Eloísa Cartoneira e assim nasceu o Dulcinéia”, lembra.

O nome do coletivo foi inspirado em uma catadora que integrava a Coopamare http://www.coopamare.org.br/, chamada Dulcinéia, e na amada do personagem Dom Quixote, de mesmo nome. Hoje, o coletivo brasileiro integra uma rede de ação cultural na América Latina. Além do Eloísa Cartoneira, compõem o grupo um núcleo no Peru, chamado de Sarita Cartonera, e o Yerba Mala, da Bolívia. Os coletivos mantêm contato e fazem traduções de obras em português para o espanhol e vice-versa.

As obras

Para produzir as obras, o coletivo brasileiro compra o papelão a R$ 1 o quilo dos catadores – preço R$ 0,70 acima do aplicado no mercado. As caixas são cortadas em formato A4. Sobre o material, os filhos dos catadores, pessoas com deficiência mental, artistas e integrantes da comunidade pintam livremente

Diante desse processo, nenhuma capa é igual a outra. Não existe uma aula que diz aos novos artistas como pintar. “Uma aula aproximaria o trabalho de um olhar estético tradicional e a criatividade só é liberada quando você tem abertura total para criar”, afirma Lúcia, que no máximo dá alguns toques. “Com o tempo eles vão aprimorando seus desenhos. Acho importante dizer qual é o ponto forte deles, mas não ensino técnicas, pois o processo e a troca são os fundamentos e não a forma final e a estética”, afirma a artista plástica.

Depois de pintado, o papelão é dobrado, formando uma lombada. Além das capas feitas com papelão, o miolo dos livros usa papel industrial reciclado.

Mesmo depois de finalizado o processo, as marcas da história do material se mantêm, como o logotipo da empresa e o nome do produto que um dia foi embalado. “O papelão é muito significativo, o objetivo do trabalho iria ser afetado se usássemos outro material. O papelão tem uma história”, completa Lúcia.

“A gente desenvolve um lado artístico que geralmente é ignorado pela sociedade”, conta a estudante de 17 anos Lucimar Araújo. “A gente aprende a lidar com a simplicidade dos materiais, pois o ponto de vista que se tem sobre o papelão muda”, completa.

Há um ano no projeto, a estudante que mora em Varginha, bairro periférico da zona sul de São Paulo, recebe R$ 5 a cada hora que fica no projeto. Com um pedaço de papelão cortado em forma de capa de livro e tinta guaxe ela solta a imaginação criando desenhos e formas. “A gente pinta as capas com o que tiver e desse jeito mudamos a nossa forma de ver a arte”, revela Lucimar

Textos e escritores

Qualquer pessoa pode ter seus textos publicados pelo projeto. Basta enviar poesias, contos ou pequenas crônicas para o e-mail dulcineia.catadora@gmail.com. Em conjunto com a equipe, Lúcia seleciona os textos que mais se identificam com o projeto.

Além de autores anônimos, o coletivo tem em seu portfólio textos escritos pelos próprios catadores e de autores conhecidos da literatura contemporânea brasileira, como Manoel de Barros, Glauco Matoso e Haroldo de Campos. “A publicação de autores conhecidos dá mais credibilidade junto ao público”, explica Lúcia.

Todos que cedem seus textos ao coletivo recebem como gratificação cinco livros. O valor arrecadado com a venda é divida entre a compra de materiais e uma ajuda de custo para as pessoas que pintam as capas de papelão. Um espaço localizado na Vila Madalena, em São Paulo (SP), foi cedido durante o ano ao coletivo pela Associação Cidade Escola Aprendiz. Antes, o coletivo ficava em um espaço na Mooca e sofria com a perda de materiais devido às seguidas inundações.

Fonte: Aprendiz

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