Pesquisa realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP retrata a experiência de alunos de baixa renda em um cursinho popular. “A passagem de um jovem por cursinho popular assume figura de uma experiência muito pessoal e rica em traços psicossociais”, afirma Allan Saffiotti, que no último dia 25 de abril defendeu a dissertação de mestrado Crise e transformação: um estudo sobre a experiência de alunos de baixa renda num cursinho popular, sob a orientação do professor José Moura Gonçalves Filho.
O próprio pesquisador teve sua trajetória pessoal marcada por este cursinho popular. Em 1995 Saffiotti era um dos alunos selecionados para uma das poucas vagas do mesmo programa. A partir dessa oportunidade, conquistou uma vaga para a graduação no curso de psicologia da USP, resolvendo então retribuir o apoio recebido na preparação para o vestibular. Foi assim que passou a oferecer suporte pedagógico em biologia no ano de 2000, por meio dos atendimentos realizados no “plantão de dúvidas” do cursinho popular que o abrigou.
No ano seguinte, criou o Plantão Psicológico do Cursinho que, em pouco tempo, foi apropriado pelos alunos. “Eram, em média, mais de dez pessoas por cinco horas de trabalho”, relata. “Entre 10% e 15% dos alunos atendidos necessitavam de suporte psicológico e, por essa razão, encaminhados à Clínica Psicológica do IP, serviço que realiza atendimento gratuito por graduandos, sob supervisão de um docente”, ressalta. “Nessa experiência pude constatar que havia um envolvimento muito além de uma simples relação formal entre alguns vestibulandos e a instituição, o que resultou nos primeiros contatos para a formulação de minha dissertação de mestrado”.
Nesta época, em 2001, o cursinho era uma espécie de “cidadela”, nos termos de Saffiotti, formada por cerca de duas mil pessoas, entre vestibulandos, professores e funcionários, por período (diurno e noturno), sendo oferecidas 15 mil vagas anuais para alunos de baixa renda, superior até que o número de inscritos, aproximadamente 11 mil. Além das aulas, o cursinho oferecia também outras atividades, como apresentações teatrais, oficinas de desenho técnico, palestras e exibições de filmes. “Por serem todos alunos originários do ensino médio da rede pública, chamava a atenção a forma como tinham acesso a materiais como livros e outras apostilas, por vezes doados por amigos, e noutras adquiridos de forma coletiva, com os próprios alunos se organizando”, conta.
Vivência
O pesquisador resolveu guardar todos esses registros a partir de anotações feitas em um caderno, o que serviu de base para a pesquisa. Ele identificou que para esses casos, durante o ano de cursinho, este deixou de significar apenas uma etapa preparatória para o vestibular para se tornar, sobretudo, a possibilidade de se ter acesso ao conhecimento de uma forma não instrumental, mas viva e relacionado ao mundo em que viviam. “O cursinho proporcionava uma eficiente oportunidade de vivência comunitária e social para os estudantes de baixa renda”, enfatiza Allan. “Era como se ele abrisse para essas pessoas um mundo de cultura efervescente”. Visando preservar a identidade das fontes e da instituição, os nomes dos entrevistados, bem como da instituição foram mantidos em anonimato.
Allan realizou entrevistas de longa duração com vestibulandos escolhidos por um critério fundamental: alunos que tinham um olhar instigante sobre a universidade pública como um instrumento fundamental de mobilidade e de ascensão sociais. “Optei por estudantes que apresentavam transformações em outros setores de sua vida como trabalho, estudo e família”, informa. “Todos haviam se beneficiado de forma mais ampla do que por meio apenas do aprendizado pragmático ou instrumental, voltado para as provas vestibulares”.
O grupo analisado era composto por alunos de 19 anos, com histórico de humilhação social, sendo todos moradores de bairros periféricos: Jardim Educandário (Zona Oeste), Vila Alpina (Zona Leste), Brasilândia e Freguesia do Ó, na zona norte. Segundo Allan, os estudantes analisados costumavam permanecer o dia inteiro nas instalações do cursinho. “Situado na zona oeste da cidade, o cursinho popular em questão possuía um ambiente muito acolhedor, apesar de pelo enorme tamanho parecer impessoal”, diz. “Alguns alunos começavam a ler jornais e revistas diariamente motivados pela infraestrutura local e dedicação dos professores”.
Entretanto, o psicólogo também fez questão de deixar sua marca pessoal na pesquisa. “Realizei uma reconstrução autobiográfica porque mesmo depois de ter passado pelo cursinho há uma década, percebi o quanto todas as experiências ainda permaneciam vivas em mim”, frisa. “Trata-se de um resgate da metáfora de ponte possível, um convite para melhorar a relação com o mundo, por meio de um bom cursinho como uma das únicas portas de acesso, conforme identificado com os alunos da pesquisa”.
Fonte: Agência USP
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