Em encontro sobre literatura infantil, organizado pelo Instituto C&A, a escritora e tradutora carioca Ana Maria Machado afirmou que a sociedade brasileira levou a níveis inimagináveis a recusa pela leitura. Para ela, os "burocratas da educação" temem que o professor seja capacitado em trabalhar com a literatura, pois ler faz pensar e a liberdade de pensamento é uma ameaça para o sistema vigente.
Autora de mais de 100 livros para o público infanto-juvenil e adulto, e distinguida pelo prêmio Hans Christian Andersen (equivalente do Nobel da literatura infantil), Machado vê na promoção do hábito de ler, o exercício da liberdade do indivíduo. Durante o Seminário Prazer em Ler, que aconteceu nesta quinta-feira (23), ela contou ter participado de um encontro latino-americano, promovido pelo Fundo das Nações Unidas para Educação e Cultura (Unesco), no qual observou que os administradores e governo não têm a menor intenção de capacitar professores das escolas públicas.
A escritora disse que essas instâncias administrativas se valem de estratégias muito sutis para distanciar o professor da narrativa literária e, mais ainda, o jovem do prazer em ler. Machado acredita ainda que a antiga análise sintática e interpretações de texto obrigatórias aos alunos eram métodos muito eficazes para calar o pensamento e o gosto pela literatura. "Agora essas estratégias são mais sofisticadas, sustentando idéias de que o professor antes de ler, precisa ter pensamento crítico, ou que é impossível decidir o que os educadores e crianças devem ler", considerou.
"Cheguei a ouvir o despautério de um líder de um país latino-americano de que muitas das civilizações que habitaram a América Latina não sabiam escrever e que, por isso, trabalhar literatura com os jovens era fazer com que eles negassem suas origens", disse. Para ela, ações e falas como esta são elogios à ignorância que se refinam constantemente e ajudam a reduzir a força da palavra, até que a literatura se torne algo do passado e sem substância. Porém, mesmo com as críticas que a escritora recebeu dos governantes, a Unesco comprou a briga e recomendou que todos os professores tenham direito à capacitação no encontro com os livros. Como o fundo não tem poder legal, infelizmente, as sugestões podem ou não ser acatadas pelos países.
Prazer
Para Machado, o prazer em ler é algo que vai além da própria compreensão da etimologia da palavra. "Espiritualidade, criação, solidariedade e auto-conhecimento são alguns dos prazeres mais subjetivos que a leitura proporciona. O prazer não está necessariamente na inovação, senão crianças não pediriam para ouvir as mesmas histórias várias vezes seguidas e as tragédias já teriam sido extintas da produção literária", observou.
A escritora acredita e culpa os docentes ao dizer que é um equívoco terrível acreditar que o prazer em ler está na idéia de diversão, em livros de jogos ou de piadas. Quando foi dona de uma livraria no Rio de Janeiro, ela presenciou uma importante escola desistir de adotar um livro da renomada Lygia Bojunga Nunes, para adotar um livro de piadas do comediante Castrinho, que prometeu uma visita aos estudantes.
Combatente assídua da onda de "conheça o autor" que muitas escolas adotaram nos últimos anos, Machado acredita que além de ser um lobby das editoras, chegando a chamar a política de chantagista, essas ações tiram o foco da literatura e passam a reverenciar o mito do autor.
Emocionada, a escritora terminou sua palestra citando um poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado "a biblioteca verde". Ela finalizou sua apresentação na esperança de que um dia, em uma sala de aula, a professora, em silêncio, leia seu livro na companhia presencial dos estudantes, cada qual na sua carteira com uma história entre as mãos, no incrível mundo da imaginação.
Prazer da leitura deve começar com o professor
"É preciso estimular o professor a trabalhar com a leitura em sala de aula, pois ainda há muito desconhecimento em como fazer, em como encontrar fórmulas instigantes e como evidenciar a importância da atividade para a formação das crianças e jovens." A afirmação foi feita pela professora da coordenadoria da Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo (SME), Maria Elenice Salla, durante o Seminário Prazer em Ler de Promoção da Leitura, organizado pelo Instituto C&A, entre os dias 22 e dia 24 de agosto, na cidade de São Paulo.
A professora da Escola Municipal José Andere de Mogi das Cruzes, Erika Rodrigues, concordou com a posição de Salla. Para ela, o professor aplica metodologias muito engessadas e mecanicistas. "Ele fica preso a fórmulas que ao invés de instigar o gosto pela leitura acabam fazendo o contrário e provocando mais desinteresse. Devemos lembrar que se trata de uma clientela que não tem na sua família leitores e o hábito cotidiano de ler. É necessário criar uma cultura pelo apreço à leitura e é justamente por isso que o professor, em parceria com a família, deve ser o agente estimulador", afirmou Rodrigues.
Paulo Castro, presidente do Instituto C&A, acredita que muitas vezes o próprio professor não teve experiências pessoais com a literatura e que, por isso, é necessário um processo contínuo de formação que dê conta de aparar essas arestas. "Ao ser tocado, o professor passa a mobilizar seu entorno", comentou.
Castro falou ainda sobre um trabalho que está sendo desenvolvido na Capela do Socorro, bairro periférico da zona sul de São Paulo, em parceria com a SME, cujo objetivo é formar educadores em relação à leitura. "Esse seminário dá início a uma formação com duração de 18 meses de educador-mediadores que farão a ponte dos livros com as crianças e jovens da região", contou.
Apesar da falta de formação do professor, os problemas, entretanto, vão além. Contínuas são as reclamações de que não há espaço para trabalhar os livros com as crianças, tanto na estrutura física das escolas, quanto na grade curricular.
Salla, porém, afirmou que a posição da SME é muito clara: "as salas de leitura devem estar sempre disponíveis para qualquer professor, de qualquer disciplina e a todo custo". Mas muitas vezes, de acordo com ela, as escolas da rede pública de ensino justificam não ter um professor disponível para acompanhar as atividades nas salas de leitura e por isso elas permanecem trancafiadas.
Não é preciso grande audácia para dizer que sem acesso ao livro não há como promover o gosto pela literatura que, segundo Salla, é uma ferramenta fundamental no processo de aprendizagem. "Ela desvenda o mundo, abre portas para novas possibilidades, informa, ensina e permite que a criança manifeste suas idéias", observou.
http://www.prazeremler.org.br/
Fonte: Aprendiz
domingo, 26 de agosto de 2007
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